Carta para Mildred

Escrevo essa carta em agradecimento a sua promessa de passar por aqui, talvez a última e derradeira comunicação por enquanto. Talvez um dia eu ainda diga Seja bem vinda minha amiga, mas por ora não sei como reagir às suas palavras e suas lágrimas tão somente minhas.

Como coisa que se regenera
outro a ser o que era

Um pedaço de mim que estava mudo, preso na garganta, saiu como fumaça preta de rancores, raiva, desejos de vingança, alucinações. Vociferando ao léu, no púlpito das minhas trepidas memórias, palavras ordinárias contra a dor que dilacera em falta de compreensão, saudades e ódio, para inutilmente tentar fugir de um desmoronamento, túneis e pontes, conexões entre o passado e o presente numa cachoeira onde dormimos. Paro para esperar a chuva, fumar um cigarro e beber a pinga que comprei no caminho sob a única pedra que pode me abrigar à beira do poço.
Lembra? quando os seus olhos de menina vulnerável e frágil à sombra de um desdenhoso e trágico arcanjo libertário quis fazer parte dos vários tons de verde tranquilizadores? Lembra que planejamos levar Iákov naquele lugar?
Confiar em mim foi como mentir uma traição cotidiana que nos acometeu durante um tempo demasiado denso desde o princípio. Amei apaixonadamente o quanto pude me afogar em seu cabelo loiro e beijar sua pele rosada enquanto fazíamos amor.
Mildred, agora, aurora após aurora, quando ainda nenhuma manhã sublinha essa lembrança, evolve-me a falta de mim mesmo. Falta-me o seu ventre junto do meu ventre, as suas coxas nas minhas coxas, o seu misterioso e quente e forte riso de mulher. Falta-me a nossa cama para o meu longo cansaço. Falta-me a sua vagina ensolarada para ancorar a minha vergonha de ternura. Espera Mildred, na espessa noite da sua casa.

Comentários

Gustavo disse…
Essa é a resposta definitiva. Se é que podemos considerar algo definitivo.
Abraço,

Gustavo
CASSIANE SCHMIDT disse…
Profundo Gustavo...
Amor lancinante o teu.
Bom fim de semana.
>¨<
Edson Junior disse…
Resposta definitiva por ora; logo surge a réplica definitiva.

olá.
Anônimo disse…
Aos mals poetas sem eloquência eu prefiro os maus poetas eloquentes! Tive que dar um tempo no blog, mas estou voltando assim que resolver umas pendências. É jogada de marketing. Mas não deixo de ler os textos de cúmplices bloggeiros, que são o melhor da atual literatura, muito além da literofagia das crônicas de jornais. Aliás, já copiei o texto “tout jour” e a qualquer hora o lerei como se fosse meu. Desculpa me apossar assim, mas eu me identifiquei com ele, só que não pude escrevê-lo antes. Muito bom. Abraço. Guilherme Coelho
Gustavo disse…
Então Guilherme,
eu juro q fiquei na dúvida se era mals ou maus, enfim
foi mals...
en dubio pro reu

Abraço grande,
Gusta
Liberté disse…
c^e jura?

Mau com u é ruim
Mal com l é dodoí.
Gustavo disse…
Tudo bem então.
Aos maUs poetas!
Saúde!

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Traurig Katze...
Liberté disse…
marcel duchamp e eva babbit

pS: sabia que os papagaios do conga só falam fracês?

bju
Anônimo disse…
"sabia que os papagaios do conga só falam fracês" - rs ótimo.
Gustavo disse…
Obrigado, não estou precisando de pingüins.

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Gustavo disse…
Obrigado, não estou precisando de pingüins.

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Anônimo disse…
muito obrigada!!
Anônimo disse…
obrigada! muito obrigada, por colocar as coisas em lindas palavras e desta forma tornar belo algo trágico.
acho q foi por isso que me apaixonei...
beijos
Gustavo disse…
Não precisa agradecer, meu amor.

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Gustavo disse…
Quem derá as palavras fossem a glória da nossa história...
Essas já são velhas...

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