Confissão

Achava melhor não escrever sobre Mildred - a garçonete desbocada da peça do Maughan (A Ética) da Servidão Humana, a camponesa singela de olhos verdes. Mesmo assim, tenho aqui a oportunidade de retribuir com palavras o mal que nessa vida me causou. História do passado que quero simplesmente desprezar. História do passado que começou de forma simbólica, com um coração desenhado no braço à caneta. Uma pessoa de pensamento raso, limitado por um copo de cerveja (era tudo que fazíamos), que não conhece a sofisticação, o prazer, de coisas boas da vida. Como estar pleno de si, seja só ou em companhia de bons amigos. Um livro, o pôr do sol, águas e montanhas. Eu e você, minha flor, vivíamos no Himalaia com elegância e plenitude - nas pequenas coisas, grandes alegrias. Grandes altitudes e uma atitude simples. Com muito pouco éramos felizes (e não faço apologia à miséria, talvez ensinando a ser feliz). Na pobreza de espírito é que se almeja grandes futilidades. Os pobres de espírito devem evoluir. Escrever sobre Mildred é amplificar a voz da ignorância. Vivi uma história desagradável da qual me sinto vítima, da qual faço parte. De uma manipulação mesquinha em que minha necessidade básica de respirar ar puro não era atendida ou respeitada. Seja feita a vossa vontade e ao vosso reino, nada. Suprimido, sufocado, deslocado naquela vila-submundo e, apesar de tudo, sinto-me mais seguro nesse castelo de cartas. Escrever sobre Mildred é dizer que ressoam vozes do passado de pensar a que ponto pode chegar esse processo de total desprêzo pela vontade do outro. Eu me sentia invisível, um simples objeto inanimado, parte da decoração. Como nos filmes antigos, onde as vítimas esperam de porta entreaberta a chegada do vampiro. É válido lembrar tais cenas? Não me venham com esse papinho psico-analisado de que nunca somos vítimas e somos nós que permitimos que nos façam sofrer. Certamente uma teoria racional um tanto obvia sendo que naquele momento estamos in loco vivendo. O amor é metafísico, subjetivo. Nem é preciso ser filósofo para entender o que não se entende. Psique correndo atrás de Eros fugindo de Psique, entre pragas e maldições. Por exemplo, faz-se uma lista de coisas boas e coisas negativas pra ver se vale a pena continuar namorando a pessoa amada, tentando ser racional. No final, as três únicas qualidades contam muito mais do que os vinte e tantos defeitos (entre os que te incomodam e os que são notórios) daquela pessoa. Sim, me deixei ser vítima, ser abraçado mais do que abraçar (e nem isso). Por caridade, por ter me compadecido de suas condições. Ter sido mãe muito nova - mãe solteira, por não ter tido pai por descuido da mãe, por viver com os avôs, por não concordar com a vulgaridade de quem sustenta o marido. Pensei que eu pudesse ser o antídoto dessa realidade. Enganei-me. Quis pagar o mal que lhe causei em outra vida, quando a deixei em terras geladas com nosso filho nos braços, em uma aldeia muito parecida com o contexto repressor e luterano em que vive hoje. Reflete-se no ódio que sente pelos homens. Quis retratar meu erro a todo preço, e obviamente falhei. Um amor patológico que nunca amei, confesso.

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Para minha borboleta do Himalaia,
minha artista inglesa.

Comentários

Gustavo disse…
Acho que fui excessivo, porém derradeiro...

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Patrícia Caetano te despreza.
Gustavo disse…
Ética - obra-prima de Baruch Spinoza, filósofo holandês posterior a Descartes.
Capítulo do livro que inspirou o romancista Britânico W.Somerset Maughan a escrever peça homônima "of Human Bondage" - da Servidão Humana.

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Gustavo disse…
Além do mais o que adianta? uma energia que não tem mais vibração?
por isso escrevo. Se anti ético é falar a poesia da minha verdade absoluta.

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Gustavo disse…
Para minha borboleta do Himalaia,
minha artista inglesa, como eu havia prometido.
amor,

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Gustavo disse…
Minas Caymmi Fashion Week
dress cold suga onda
vivendo na rede...

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Gustavo disse…
e no quarteirão do Soul aproveitamos pra brindar àqueles que não têm alma e nem talendo nenhum pra viver.
Prost!

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Menina do mar disse…
Profundo, intenso, enfim... desabafar alivia a alma não é?
beijos
Anônimo disse…
a borboleta aprendeu a voar alto e agora se eleva
mais que o maior dos Himalaias
e quanto mais alto ela voa
menor fica para os de que não sabem voar

vem, definitivamente, vem ser feliz.
a paisagem aqui de cima é belíssima
o vento fresco cura e leva tudo embora
Anônimo disse…
* para os que não sabem voar
Gustavo disse…
vem galego, dançar...
tem certeza q sim
assim também disse-me Zaratustra

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ps: lótus do Tibet...
Anônimo disse…
Gustavo,

obrigado pelo comentário no Varal. É sempre um prazer receber visita de gente que escreve bem, comenta e tem um blog simpático como o seu. Volte sempre! Forte abraço,
Gustavo disse…
ôxe Eduardo,

Voltaren, claro! obrigado também pela visita e seja sempre bem-vindo.
abraço Forte,

Gustavo

ps: e que seu orixá te proteja!
Hellen Rêgo disse…
Oiiii moço!
passei p deixar um abraço, acabei de liberar teus coments.
:)
boa semana p ti!
Gustavo disse…
obrigado, vou passar no MP.
beijo, bom dia.

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Anônimo disse…
e quando as coisas já foram retratadas?
aí esse esforço seu
ai toda essa fúria que derrama
só vai servir pra te deixar exausto, infértil, e com portas fechadas para o verdadeiro papel que você veio desempenhar na vida.
busque seu centro, meu caro,
viva o você
ou na próxima vida a retratação vai ter que ser você com você, com sua imagem refletida no espelho.
e o pior dos sofrimentos é ter que lutar contra o dragão que existe aqui, dentro, e que cospe fogo nas entranhas
Gustavo disse…
(silêncio)

as aventuras de Alice
e o que ela encontrou através do espelho.

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Gustavo disse…
encontro agora o silêncio...

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Liberté disse…
Amigos e inimigos, coisas que esse camarada meu soube criar, e para variar ele lapidou-os de tal forma que de simples se tornaram sofisticados, coisas fácil de averiguar. Parabéns homem das palavras. Existem coisas raras nesta vida. E outras inesistentes.

PS: ando andando pelo sub-mundo hype. re-invençao. rizoma. 3-2-1 - pum!
Liberté disse…
xiii! troquei o s pelo x. que coisas chata!

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