Há quanto tempo não consigo dormir? Entro na noite como um vagabundo furtivo com bilhete de segunda classe numa embarcação de primeira, passageiro clandestino dos meus desânimos encolhido numa inércia que me aproxima dos defuntos e que a vodka anima de um frenesi postiço e caprichoso, e às três da manhã vêem-me chegar aos bares ainda abertos, navegando nas águas paradas de quem não espera nenhum milagre, a equilibrar com dificuldade na boca o peso fingido de um sorriso. Há quanto tempo de fato não consigo dormir? Se fecho os olhos, uma rumorosa constelação de pombos levanta minhas pálpebras descidas, vermelhas de cansaço, e a agitação das suas asas enrola-se na colcha numa umidade de febre, por dentro da cabeça uma chuva de outubro tomba lentamente sobre os gerânios tristes do passado. Em seguida os carros voltam a circular com desinteresse sonâmbulo.

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Comentários

Anônimo disse…
Misterioso o que as noites fazem com as nossas mentes de poetas.

Ótimo texto!

Beijo.
Gostei da ideia, e de como construiu. Apenas diminuiria o número de adjetivos.
hesseherre disse…
AS ANFETAMINAS DÃO ESTE MESMO EFEITO DE NÃO SE CONSEGUIR DORMIR...CUIDADO, AMIGO.

Amphetamine machen diesen Effekt KANN NICHT SCHLAFEN ... CARE, mein Freund
Gustavo disse…
hessehrre,

Obrigado pelo aviso. Se eu tomar anfetamina minha pele vai ficar azul.

Gus
Gustavo disse…
Eu não faço poema,
faço poesia.


Bem, não é uma idéia, é um texto. Parte da revisão literária dos meus textos feita por mim mesmo. Minhas palavras são assim, como lufadas de vento.

G.
Gustavo disse…
Lara Amaral,

Obrigado pelo elogio. Vou selecionar esse texto.
Beijos,

Gus
Liberté disse…
Critica: já reparou que diante de um bom texto os leitores o tomam como se eles mesmos fossem o autor deste. talvez isso seria a tal da identificação.
Gustavo disse…
apropriação subconsciente...

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