carta para Caio Campos

Uivo

“Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano, quero lançar um grito desumano. Talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado, quero morrer do meu próprio veneno, quero inventar o meu próprio pecado”.

Quis ser seu esboço de pai, seu irmão mais velho, seu amigo mais querido.
Chorei nos momentos que precederam um final inevitável. “Foda-se Deus! aqui vou eu”.  Senti a sua angústia quando a morte, o último ato dessa tragédia a qual damos nome de vida (não sei se o devido nome), o fez dele um aliado.
Viste o meu drama de viverem abandonados por La Tedesca (alemã em italiano) e aleijado de pai por muitos quilômetros, eu é o outro. Choramos juntos, e nos embebedamos das flores do mal além do bem, e acordados vimos céus estrelados, poesia anônima de um deus infiel, grafiteiro madrigal... Com as moedas de poesia pegamos o mesmo ônibus pra chegar a qualquer lugar. Sem saber onde estávamos sós, no tempo espacial.
E Portugal descobriu (inventou) o Brasil, e o espanhol (meu pai) apagou o braseiro, e a Itália também perdeu a grande guerra, e o cruzeiro continua no céu, e agora o meu uivo berra, e afinal, quem saberia dizer o que é “solidão”?
Nessa ordem onde estará o progresso? Se pudermos dizer que um câncer progride, nossa história então tem sido crivada de vãs sutilezas embaladas pelo invólucro do lento e progressivo decurso da busca, em busca do peso do mundo. E assim, a quem devemos agradecer por essa procura? A qual deus devemos pagar nossas renúncias?
caio, espalho as cinzas pelo chão, reconheço a queda, choro lágrimas de fogo. Apanho cada fragmento que sobrou de mim, poderoso artefato xamãnico. Deponho contra o príncipe do meu próprio reino, e assumo o posto de rei desse universo polissêmico. Semanticamente dizendo, escrevo no silêncio do hipertexto, a brisa úmida roça um rosto.
A brisa de outubro agora se mesclou com as lamúrias de um viciado. Aquelas que derramei pelo caminho. Rememorando o poeta inglês “a aranha a teia, a ave o ninho, o homem a amizade”. As pedras que ofuscavam minha altivez, as quais construirão o meu castelo, também me deram em troca o bom acesso signo singelo da humildade.
Sonhado por algum feiticeiro loquaz, repleto de pequenices da moralidade “nuncas, pra-sempres e múltiplos-jamais” na há o que lamentar. A eternidade anda apaixonada pelas aventuras do tempo.
Agradeço, amigo, pela chance de tudo que existimos juntos. Cada verso, avesso eu agradeço. Cada fato relativamente, cada farsa, pois a mentira se inventa, não é verdade? cada dia que vimos nascer, cada abismo que pisamos sem ver, mesmo querendo, cada voz que existiu em nós, cada nó que demos e agarramos com o dente e deixamos o grito rolar pela garganta, cada paz, cada vento que roubou nossa calma, mas nossa alma foi feita de luz. Cada um em si, outra vez.
Agradeço por ser, simplesmente. E por haver apresentado aquela que ainda amo fortemente.
Vá contente. Recuso-me ao a-Deus. Esse mundo na é meu, esse mundo não nos pertence.
Vá Bom, e seremos cada segundo. É trabalho de séculos criar uma pequena flor. Vá pois nos encontraremos nesse templo sagrado que Bang! criou, seja o budista metálico do Bronx, leva teu humor ácido numa canção de Lama Lama Sabactani Paeter Onipotentes Deus. Vá, pois nesse dia entoaremos um mantra que só nos conhecemos cinco pilhas um real, e cantaremos o sutra do girassol.
Andaremos pelas ruas do mundo e faremos valer nossa jornada madrigal.

Até mais tarde, até novamente, até quem sabe.
do amigo,

Gustavivo



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