Esse é o jargão de Wilson das Neves

Ô sorte!

Esse é o jargão de Wilson das Neves.
Ele me revelou ao pé do ouvido que as pessoas confundem a quem ou a que ele se refere essa tal sorte. “Isso é pra ‘eles’” apontando as estrelas da noite, uma saudação aos tais orixás cubanos.
Ele se referia à plêiade de deus africanos da linha de candomblé da qual ele faz parte. Orixás do sincronismo africano que ganharam outros nomes herdados.
“O sábio olha pra lua” eu disse, “o too olha pro dedo”.
Afirmo muitas coisas aqui, dentre elas que Wilson é um homem religioso. Fiel ao seu deus, e crédulo naquilo em que crê.
Ele profere seu ritualístico “Ô Sorte!” olhando pro céu, agradecendo e bendizendo aqueles que o iluminam.

Quando completou meio século de idade, comemorou seu cinquentenário no Clube. [Renascença, no bairro Flamengo.
O Renascença é um clube tradicional de samba onde entrevistamos o Moacyr Cruz, aglutinador de bambas e parceiro de composição de Wilson ele dirigia o clube, nessa temporada.]

Voltando a história vinte anos, o clube já existia, e Wilson comera seus cinquenta anos lá.
Muito animada, uma amiga que com ele gravou diversas canções, a Elza Soares, vai à frente (pois lá não tem palco) e “canta a noite inteira” palavras do próprio Wilson.
Em seguida aparece um jovem que já fazia sucesso, Chico Buarque, e canta em sua homenagem, para agradar a todos.
Então, eis que acontece o inesperado. Às cinco horas da madrugada alguém que não estava entre os convidados vai à frente e desembrulha com sua voz potente de tenor, entre as mais fortes e eloquentes do país “Conceição...! vivia à toa no morro...”
Cauby Peixoto, nada mais nada menos.
Uma voz de transgressor.
Encerramento triunfal.

Então eu reafirmo, senhor Wilson é um homem muito bom.
Ele segue a vida tranquilo, colhendo o beneficio de ter sido espera simplesmente o que será o vir-á-ser.
E eu sinceramente, digo, que ele merecia mais por isso. Merecia ser lembrado como um dos instrumentistas mais geniais do Brasil.
Seu filho prodigo, Alexandre, morreu num desastre carro imprevisto. Mais um vacilo da policia do Rio que, na linha vermelha (avenida que liga a Ilha do Governador ao centro do Rio) mandou-o parar sua caminhonete e ele não conseguiu. Deslizou e capotou duas vezes seguidas. Meus pêsames senhor Wilson, meu amigo, quiséramos não relembrar.
mas eis que o nosso caro Alexandre Segundo cumpriu um grande compromisso nessa viagem ao Rio, em janeiro de 2007, sendo também filho e grande admirador do velho Das Neves, amigo e companheiro, e irmão mais velho quando me faltaram conselhos.
Devo agradecer, Alexandre, por proporcionar a chance de vivermos essa experiência mais do que uma simples pré-produção de algo. O que fazem agora para esse tal documentário, com luzes e maquiagem, é o que fizemos “no peito e na raça”.
Mas vou deixar os agradecimentos pro final, se é que essa história termina.

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