Inspiração
___ Alguém tem uma idéia precisa, no final do século XIX, sobre o que os poetas de épocas fortes chamavam de inspiração? Se assim não for, eu a descreverei... Com os restos mais ínfimos de superstição dentro de si, de fato qualquer um teria dificuldades em refutar a noção de que é apenas encarnação, apenas porta-voz, apenas médium de forças super-poderosas. O conceito de revelação, no sentido de que, de repente, com uma seriedade e uma fineza indizíveis, algo se torna visível, audível, algo que é capaz de sacudir e modificar uma pessoa no mais profundo de seu ser, descreve de maneira simples a situação. A gente ouve a gente não procura; a gente toma, a gente não pergunta quem está dando; como se fosse um raio, um pensamento vem à luz, por necessidade , em uma forma sem hesitações – eu nunca tive escolha. Um encantamento, cuja tensão monstruosa se dissolve numa torrente de lágrimas, no qual o passo ora toma de assalto, ora se torna vagaroso, involuntariamente; um estar-fora-de-si completo, com a consciência mais distintiva de um sem número de tremores e transbordamentos finíssimos, que são sentidos até os dedos dos pés; uma profundidade venturosa, na qual o mais dolorido e o mais sombrio não têm efeito de antítese, mas sim de condição, de desafio, como se fosse uma cor necessária no interior de uma tal abundância de luz; um instinto de relações rítmicas, que cobre vastos espaços – a longitude, o desejo de um ritmo estendido ao longe é quase a medida da força da inspiração, uma espécie de equilíbrio contra sua pressão e sua tensão... Tudo acontece, no mais alto grau, de maneira involuntária, mas como se fosse em um temporal de sentimentos de liberdade... A involuntariedade da imagem, da comparação é o aspecto mais singular; não se tem mais idéia; o que é imagem, o que é comparação, tudo se oferece como se fosse a expressão mais próxima, a mais correta, a mais simples. Parece de fato, para recordar uma palavra de Zaratrusta, que as coisas se aproximam com vontade própria, se oferecendo a comparações (_ “ aqui todas as coisas vêm acariciantes em busca do teu discurso e te adulam: pois elas querem cavalgar sobre tuas costas. Sobre todas as comparações tu cavalgas em direção a todas as verdades; tudo o que é ser quer se tornar palavra, tudo o que é vir-a-ser quer aprender a falar contigo“). Esta é a minha experiência com a inspiração; eu não tenho dúvidas de que é necessário voltar milênios no tempo a fim de encontrar alguém que possa dizer comigo: “ essa também é a minha” ...
F. Nietzsche
Ecce Homo, pag. 116- L&PM Pocket
F. Nietzsche
Ecce Homo, pag. 116- L&PM Pocket
Comentários
as formas de opinião...
a força da modifição.