Ano passado...



Quando cheguei fiquei quinze dias na cama. Admito que o primeiro movimento para romper essa inércia, após duas semanas, foi buscar um rastro do passado. Aquilo que eu havia vivido, antes de passar seis meses enclausurado. Voltei à favela onde comprava a droga. Passei em frente a minha antigo lar na cidade e não me senti nada à vontade. Mas o apê ainda não estava alugado. Depois, da segunda ou quinta vez, ou nona, sei lá, já haviam alugado o apartamento e passar por ali me rasgava o peito. Nada é perfeito. Doeu muito a consciência do tempo que tive e desperdicei ali, mesmo depois do fim da melhor relação. Mas cansei de chorar o  leite do passado. Esse negro leite derramado. Eu me sentia um turista aqui. Ainda sinto-me. Aqui o inverno é mais rigoroso do que na cidade. Eis que cá estamos à beira da estrada. O caderno sem linhas em que agora escrevo prova a intimidade gravada à mão de cada minha palavra desenhada para Deus. Agora suavemente flutua o conceito de liberdade, ando pensando. Aquilo que não necessito, aquilo que posso escolher (se quero ou não quero)... Mas então, dentro desse círculo, entra uma lei moral. O poder de escolha junto à potência de querer. Enfim veio a chuva e me ajudou a esquecer. Claro que nunca nada é por completo. Mas, definitivamente, ainda que eu ainda mastigue essa óstia agora, esse grande mal não é me incomoda tanto. É apenas uma pincelada sobre o desgaste de se fazer humano, quando o amor.

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