Nota mental

Casa 9







Na cabana do xamã, dizem, há um portal para a quinta, e da quinta direto para a oitava dimensão. Mas nada se vê da pequena janela. Da pequena janela não se vê. Nem o presente, quiçá o futuro, senão a lua, senão o sutil movimento das nuvens. Eu me perdi nessa viagem um tanto vertical, e uma índia Krenac, vinda daqueles tempos idos, me encontrou ressequido, as mãos ressequidas no desespero inconsciente de transgredir e a mente alquebrada e a doce ilusão de transmutar-me em palavras, quando já não compreendia eu mesmo minhas próprias palavras e babava cosmicamente e procurava na palma da mão e na ponta dos dedos com as pupilas dilatadas e já balbuciava alguma coisa inexprimível e também perdida. Krenac me salvou do sorriso eriçado da onça, me salvou do bigode da onça, o deletério contato com os próprios de si e os seres imaginários da floresta. E encontrou a cor que falseava as palavras mimetizadas na folha, o que também era inexprimível. As cores da cumplicidade, a multiplicidade e o silêncio. A significação de pequenos atos, restos. Dentro da cabana há uma bacia d’água que eu, desapercebidamente, troquei com uma preta velha lá do morro. Olho o reflexo do espelho onde começo a excursionar o passado, no contexto ancestral os ventos chacoalham as folhas das arvores e o trovão, após o clarão do raio, ruge. A fera, reclusa, lambe a inesperada ferida. Diante desse reflexo onde, onde a vaidade que um dia matou o leigo, o espelho. Vejo devastado devastado no íntimo como um dia certamente devastei...

Comentários

Raquel disse…
Aos descendentes botocudos krenak foi dada a compreensão de segredos ininteligíveis de cores e palavras, em Borun.
Gustavo disse…
mais uma vez...
Raquel disse…
... na senda
Gustavo disse…
na lenda...

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