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Paixão da minha existência atribulada 




(Perdido no deserto. E os existencialistas que não sabiam pescar)
Certo dia passando pelo deserto de Sonora, situado no estado do Arizona, o maior da América do Norte, sem concorrentes na América Latina, mesmo no sertão mais agreste do Brasil ou na Colômbia no estado de La Guarija, onde reinava Pablo Escobar e onde a península seca encontra o mar, mesmo nos lençóis maranhenses, mesmo no delta do Parnaíba, ocorreu-me uma tacada de sorte.
Andava a beira da morte, sem dromedário e sem guia, fazia um documentário, que seria publicado um dia, se eu sobrevivesse pra contar. Ambicionava passar uma semana, que equivalem há sete dias, mas já me encontrava no nono na borda de um colapso físico e mental, completamente perdido. Frigia o sol minha cuca que por dentro o cérebro cozia. Foi quando surgiu a minha frente, de repente, um índio californiano.
Trazia na mão direita uma banana e na outra um pote de uma fria. Pareceu-me meio estranho aquela sunga das Adidas e aquele sotaque baiano. Mas o cocar de penas brancas combinava com as listras da marca.
Eis que o índio professa “qual tu vai querer, ó pai” emendando “a banana a água do pote?” finaliza. Não disse mais nada. Eu também nada entendia “de onde surgiu esse cabra?” e questionava “será que é água pura? Ou será que uma fria?” e morto de fome concatenava “a banana tem potássio. Pode ajudar com a câimbra”, mas então o nativo me apressou “tu tem mei-minuto, ó íngua” (!). “Falaste isso em que língua?” redargui. “repete se tu é homé” sei que o que é da gente o bicho num come. “vinte nove” disse o matuto “vinte e oito” prosseguia.
Na minha cabeça passou de tudo, em uma fração de segundo. “Vinte e sete” continuava o safado. Sonora depende das marés, que levam transportam micro gotículas que armazenam nos cactos e dão de beber aos pássaros que iniciam toda uma cadeia. Até uma raposinha bem titiquinha lá tem.
“Bem”, pensei “dezenove” “deve de haver um Oasis próximo. Esse babaca não brotou do nada” matutava. “Onze” avançava “dez” persistia. “Será que eu pego a banana?” dilema do inferno “ele pode pensar que eu sou gay” e “sete” contava ele só pra me agoniar “pensa rápido imbecil. Será uma alucinação? Vou voar na goela desse canalha” é isso que me vinha ao pensamento parco de ideias, “quatro” me deixava zonzim da vida e solto profanei “unha de gato, desgraçado! urtiga do mato.” Pego você na briga” dizia “dois...” foi aí, maninha (ou maninho) que tu não sabes onde eu fui parar: na beira de um rio, largo e muito bonito.
Quem será essa gente que fala... sim francês! A língua que pode desmunhecar sem ser parecer que é gay! Logo reconheci “é ela! Simone de Beauvoir!“ Há pouco tinha lido Segundo Sexo (antes de casar). “ É horrível assistir à agonia de uma esperança” ela garantia, sentada com sua vara de pescar. Mais ao lado, seu marido, sim, Sartre, flertava uma mocinha inocente “mas já que o mundo vai acabar” ele dizia “que Baco seja enaltecido” elucubrava, também coma vara na mão. Todos pescavam. Na cena sim, em algum lugar do Sena. Começou o lero-lero “na Grécia antiga quando as colheitas escasseavam o povo se reunia para um suntuoso jantar. Juntavam as panelas, como mamãe dizia,todo resto que havia sobrado e toda comida e todo vinho  bebiam” falava Jean-Paul “comida daqui, vinhada free, conversa de lá. Ninguém é de ninguém, e adoravam ao deus Baco em grande estilo bacanal” seguiu “depois de nove meses, haviam plantado a mandioca, obtinham farta colheita e muitas crianças nasciam” a moça prestava muita atenção “’é Afrodite!’ Diziam ‘deusa da fertilidade’” o safado prendeu mesmo a atenção de todos ”’se não houvéssemos louvado Baco...’” concluiu.
daí a pouco, vejo perto do brejo escrevendo em seu Diário (de um Sedutor)o dinamarquês Soren,  com O cortado, se sentia excluído, por não obter muito amor. Viajou duas vezes na vida. As duas pra Berlim. Na primeira fugiu da noiva pois achava que não seriam felizes. Eis que a moça se casou ele se desnorteou. Queria escrever cartas, mas o maridão não deixou, Kierkegaard se engasgou com o próprio nome. Viajou de novo pra Berlim, onde para miséria do povo se fez o primeiro existencialista da história. Grande mer! Aprendeu foi O Conceito da Angústia...

ah eu vi! Erguendo a gola do paletó. Camus, Camus, Camus! Esse não tinha dó. Absurdo! Quisera houvessem deixado sair a esperança quando fecharam a caixa de Pandora! Segurava bem firme na vara, suspeitosamente, irmã (ou irmão). Se Sísifu rola acima sua pedra e nunca consegue firma-la no cume da montanha. Essa também é sua sina” dizia ao operário, que de mito nada entendia. Canalha, salafrário! Fudeu com o mito grego pra massagear seu ego. Vivia de vento, com certeza, ao pobre não dava alento.  "Só um dia o ‘porquê’ se levanta e tudo recomeça nessa lassidão tingida de espanto. No extremo desse despertar vem, com o tempo, a consequência - o suicídio ou o restabelecimento. Porque tudo começa pela consciência e nada vale a não ser por ela." O que ele quis dizer com isso?  Camus, Camus. Dizem que comi, mas acho mesmo é que gostava de dar a bunda. Fiquei muito irritado com aquilo e chamei o gajo na porrada. Eis que argelino safado virou uma bichana loca. “Não, não! O topetinho não...” alça de boquete. No fim das contas ninguém

pescava nada.




A imoralidade dos fatos é que “sem esperança não se tem muita paciência.” E assim a cada meio minuto um deles era mandado pro deserto e um Mané qualquer era teletransportado.
(a corrigir)

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