Sonhei que havíamos feito um pacto de bondade com uma anja gordinha estilo Disney que nos levava de mãos dadas pelo ar até o teto. Ganharíamos uma pequena fortuna sorteada no dia de ação de graças. Minha mãe, uma garota e eu. Ganhei um pequeno relógio, feito um estojo de madeira. Em uma fazenda americana fizemos amizade com o Senhor e a Senhora Brown, dois bons velinhos. Feitos para serem merecedores da nossa bonança. Um filme da sessão da tarde. Eu rodava o relógio e conseguia saber o futuro, ir, viver, ver o futuro e voltar ao tempo real. Eu voltava ao passado também. Andei com James Dean e ele era menor do que parecia. Andamos juntos. Ele fumava cigarros de filtro vermelho e não era o ator famoso de Hollywood. Era apenas um cara franzino, mas agraciado com traços perfeitos. As meninas reverenciavam Dean como um astro do rock nos Estados Unidos dos anos de 1920, também uma festa Alla Sessão da Tarde. Ele era o cara. Acendia um cigarro com aquele seu sorriso maroto, moleque, pivete. Comprei para nós duas cervejas quentes. Eu estava ao lado do cara e de repente estou em um programa de auditório no “tempo real”. Dean estava escondido na platéia, digamos, à paisana. Velho. Anônimo. Acompanhado de uma old pin-up. O programa era sobre um ator popular dos anos do cinema em preto e branco. Eu toco uma espécie de sanfona. Freqüento concertos de música clássica e os protagonizo também. Meu instrumento é pouco requisitado na orquestra, mas eu vivia novas histórias no passado. Rodando o reloginho. As horas se vão e pela manhã está chovendo. De repente meu pai me liga, são sete horas da manhã. Onde está o carro? “Desculpa, mas eu estou ouvindo a última música da Elizete Cardoso.” No telefone meu pai fala com alguém sobre aquele delírio. Na verdade, eu chegara atrasado. Era um grande concerto em que ela participava apenas no último ato. Eu estava emocionado. “O carro está a caminho”. Meu carro “novo” se transformava em um modelo antigo, com detalhes em de madeira, vintage. No tempo real minha mãe não se lembrava do feitiço. Fiz voltar o tempo rodando o reloginho. Levei mamãe a um desses concertos. Contei sobre a história da manipulação do tempo. Entreguei a ela essas amostras grátis de perfume pra ela distribuir. Quando as luzes se acendem logo ela encontra umas cocotas que falam as mesmas gírias do passado. “Não te disse, mãe?” “Meninas! Oi Leni!”. Cadetes em roupa de época distribuem essa mesma amostra de perfume. O cheiro, o gosto, a sensação, eram todos próprios do passado, mas minha mãe vê alguma contradição no ar. Ela desce e senta-se ao lado da autora da peça. Porque você escreve sempre a mesma peça? – pergunta. Com uma feição bastante enigmática, a famosa escritora de novelas da rede Globo, responde, como que perguntando o mesmo a si mesma, com aquele ar vago disse pausadamente “Eu não sei...”. A obra tinha força sobre a sua criadora. Predominava, erguia-se sobre si mesma e tomava sempre fórmula que a própria escritora não conseguia explicar. Saio do teatro e ouço no rádio uma crítica sobre a estréia da peça dizendo que a autora estaria se utilizando da fórmula criada por “Von alguma coisa”, algo assim. A peça considerada pedante e prepotente e o autor um célebre enganador. Desmascarado, desconsiderado, entrou pra história como falastrão. Soldados estariam sempre manipulando a realidade verdadeira, pingando aquelas gotinhas. Os militares enfeitiçando e controlando a vida das pessoas. Estaríamos vivendo sempre o mesmo passado. Depois dessa, admito que fiquei em dúvida sobre a veracidade do relógio. Sobre a verdade-realidade, sobre o passado-presente, mas não me desfiz do reloginho.




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