As Ilhas Desertas


Novamente, isso quer dizer que a essência da ilha deserta é imaginária e não real, mitológica e não geográfica. Simultaneamente, seu destino está submetido às condições humanas que tornam possível uma mitologia. A mitologia não nasceu de uma simples vontade, e os povos admitiram bem cedo não compreender seus mitos. É nesse mesmo momento que uma [15] literatura começa. A literatura é o ensaio que procura interpretar muito engenhosamente os mitos que já não se compreende, no momento em que eles já não são compreendidos, porque já não se sabe sonha-los nem reproduzi-los. A literatura é o concurso dos contra-sensos que a consciência opera naturalmente e necessariamente sobre os temas do inconsciente; como todo concurso, ela tem seus preços. Seria preciso mostrar como a mitologia entra em falência nesse sentido e morre em dois romances clássicos da ilha deserta, Robinson e Suzana. Suzana e o PacíficoDL acentua o aspecto separado das ilhas, a separação da moça que aí se encontra; Robinson NT acentua o outro aspecto, o da criação, o do recomeço. É verdade que são bem diferentes as maneiras pelas quais a mitologia entra em falência nesses dois casos. Com a Suzana de Giraudoux a mitologia sofre a morte mais bonita, a mais graciosa. Com Robinson, a mais penosa.


DL Jean Giraudoux, Suzanne et lê Pacifique, Paris, Grasset, 1922, reeditado em O Euvres romanesques complètes,vol. I, Paris, Gallimard, col. “Bibliothèque de la Pléiade”.
NT [Daniel Defoe (1660-1731), Robinson Crusoe  (1719-1722)].

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