Rhythms
Um pintor do qual gosto muito é Delaunay. O que Delaunay faz? Se eu tentar resumir em fórmulas, o que Delaunay faz? Ele percebe uma idéia prodigiosa. Isso nos faz voltar ao início: o que é ter uma idéia? Qual é a idéia de Delaunay? A sua idéia é que a luz sozinha forma figuras, há figuras de luz. É algo muito novo. Talvez, muito antes, tivessem já tido essa idéia. O que aparece com Delaunay é a criação de figuras formadas pela luz, figuras de luz. Ele pinta figuras de luz e não os aspectos assumidos pela luz ao encontrar um objeto, o que seria muito diferente. É assim que ele se afasta de todos os objetos. Sua pintura não tem mais objetos. Li coisas muito bonitas que ele disse. Ao julgar severamente o cubismo, ele disse: "Cézanne tinha conseguido quebrar o objeto, quebrar a compoteira, e os cubistas ficam tentando colá-la". Portanto, o importante é eliminar o objeto, substituir as figuras rígidas, geométricas, com figuras de luz pura. Essa é uma coisa: evento pictórico e evento Delaunay. Não sei as datas, mas isso não importa. Há uma maneira ou um aspecto da relatividade, da teoria da relatividade. Conheço só um pouco, não preciso muito disso. Não precisamos saber grande coisa. Ser autodidata é que é perigoso, mas não precisamos saber grande coisa. Sei apenas que um dos aspectos da relatividade é exatamente que, em vez de submeter as linhas geométricas... Não. Em vez de submeter as linhas de luz, as linhas seguidas pela luz, às linhas geométricas, a partir da experiência de Michaelson, acontece o inverso. São as linhas de luz que vão condicionar as linhas geométricas. Entendo que, cientificamente, é uma inversão considerável. Isso mudou tudo, pois a linha de luz não tem a constância da linha geométrica. Tudo mudou. Não digo que tenha sido tudo, que o aspecto da relatividade tenha sido o mais importante da experiência de Michaelson. Não vou dizer que Delaunay tenha aplicado a relatividade. Eu celebraria o encontro entre uma tentativa pictórica e uma tentativa científica, as quais devem ter alguma relação. Eu estava dizendo a mesma coisa.
O Abecedário de Deleuze
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