Um tango
para José Perez!
Morreu na tarde de hoje o irmão mais velho do meu pai, tio José.
Hoje conseguimos nos reunir sem mistério. Sem simples despropérios, sem enigmáticos
axiomas.
Meu pai e meu irmão conversam lá fora. Meu irmão “do meio”, Adriano, é jornalista. Deve estar perquirindo histórias dos tempos idos.
Percepções vividas e afetos guardados da relação de irmãos, meu pai, o caçula e meu tio, o mais velho.
Meu tio viveu plenamente e morreu como um passarinho, como disse meu pai. Não faço a menor ideia de como os pássaros fenecem, mas imaginei, no momento, coo seria a imagem da irremissível hora - parte menor de um todo.
Vem-me a cabeça o que ele deve ter pensado. O pássaro morto e o meu tio tão querido quando abdicaram da existência.
Ou terá sido a vida que desistiu de suster suas asas? Como o vento que planeja o voo do pássaro. Como funcionamento imperativo do nosso corpo.
Meu tio teve duas famílias. Teve duas esposas. Tia Isabel e tia Tereza. Teve o total de nove filhos com as duas. Cinco com uma e quatro com outra.
Tio jose veio na barriga de minha avô Elvira, que sentiu enjoos terríveis durante a viajem de navio, da Espanha pra cá, nossa tropicalha. Minha avó é um caso a parte. Quando desembarcou na Bahia de Guanabara em 1926, nunca tinha visto um negro. Moravam nos confins da Espanha franquista. Perguntou ao meu avô “Indalécio, por que eles estão pintados?”. Ingênua e comovente ignorância.
Comovente ser acriançada tendo no próprio ventre uma criança. Dizem que ela veio ao mundo no ano de 1900, portanto tinha apenas 26 anos.
Meu prestimoso tio, que partiu deixando mais dois rebentos, fora esses dois relacionamentos, era caminhoneiro. Sempre foi. a vida inteira.
Todas as muchachas da pequena, minúscula, cidade queriam namorar com ele. Seu vulgo era “Zé Capeta” pra vocês terem ideia. Ele escolheu Tereza.
Isabel era (ou é ainda, porque ela é viva) uma moca espanhola, mãe dos meninos mais lindos que já se viu na família – dizem meus pais. Foi rejeitada pelo meu tio, e ludibriada pelo pai dela que a convenceu a voltar pra Espanha, mau negócio. A miséria em que as pessoas viviam após a primeira grande guerra os fez sofrer amargamente. A inópia atacou todos os meninos, que tiveram que morar em orfanatos.
Tia Isabel dizia aos primos espanhóis, nascidos aqui, que o pai deles tinha morrido. E assim corria a vida.
Certa vez, meu irmão mais velho, de forma, como eu diria? Sem o menor pudor, abriu o jogo e contou a verdade, ou desfez a mentira, e disse a todos sobre a existência de um vivo pai-morto que aqui morava.
O primeiro a vir conferir foi Sérgio.
Pura tristeza e como não? Encontros de tempos tão fantasiosos...
Assim como quem buscava um artefato arqueológico, Sérgio não sentiu empatia pelo pai biológico.
Ele, Sérgio, é um exímio violonista clássico.
Meu pai e meu irmão conversam lá fora. Meu irmão “do meio”, Adriano, é jornalista. Deve estar perquirindo histórias dos tempos idos.
Percepções vividas e afetos guardados da relação de irmãos, meu pai, o caçula e meu tio, o mais velho.
Meu tio viveu plenamente e morreu como um passarinho, como disse meu pai. Não faço a menor ideia de como os pássaros fenecem, mas imaginei, no momento, coo seria a imagem da irremissível hora - parte menor de um todo.
Vem-me a cabeça o que ele deve ter pensado. O pássaro morto e o meu tio tão querido quando abdicaram da existência.
Ou terá sido a vida que desistiu de suster suas asas? Como o vento que planeja o voo do pássaro. Como funcionamento imperativo do nosso corpo.
Meu tio teve duas famílias. Teve duas esposas. Tia Isabel e tia Tereza. Teve o total de nove filhos com as duas. Cinco com uma e quatro com outra.
Tio jose veio na barriga de minha avô Elvira, que sentiu enjoos terríveis durante a viajem de navio, da Espanha pra cá, nossa tropicalha. Minha avó é um caso a parte. Quando desembarcou na Bahia de Guanabara em 1926, nunca tinha visto um negro. Moravam nos confins da Espanha franquista. Perguntou ao meu avô “Indalécio, por que eles estão pintados?”. Ingênua e comovente ignorância.
Comovente ser acriançada tendo no próprio ventre uma criança. Dizem que ela veio ao mundo no ano de 1900, portanto tinha apenas 26 anos.
Meu prestimoso tio, que partiu deixando mais dois rebentos, fora esses dois relacionamentos, era caminhoneiro. Sempre foi. a vida inteira.
Todas as muchachas da pequena, minúscula, cidade queriam namorar com ele. Seu vulgo era “Zé Capeta” pra vocês terem ideia. Ele escolheu Tereza.
Isabel era (ou é ainda, porque ela é viva) uma moca espanhola, mãe dos meninos mais lindos que já se viu na família – dizem meus pais. Foi rejeitada pelo meu tio, e ludibriada pelo pai dela que a convenceu a voltar pra Espanha, mau negócio. A miséria em que as pessoas viviam após a primeira grande guerra os fez sofrer amargamente. A inópia atacou todos os meninos, que tiveram que morar em orfanatos.
Tia Isabel dizia aos primos espanhóis, nascidos aqui, que o pai deles tinha morrido. E assim corria a vida.
Certa vez, meu irmão mais velho, de forma, como eu diria? Sem o menor pudor, abriu o jogo e contou a verdade, ou desfez a mentira, e disse a todos sobre a existência de um vivo pai-morto que aqui morava.
O primeiro a vir conferir foi Sérgio.
Pura tristeza e como não? Encontros de tempos tão fantasiosos...
Assim como quem buscava um artefato arqueológico, Sérgio não sentiu empatia pelo pai biológico.
Ele, Sérgio, é um exímio violonista clássico.
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