entrevista com Kennedy Rafael
De tal modo flutuaremos com assaz tenacidade sobre os mil, talvez dez mil, talvez infinitos platôs que compõem nossa geografia humana, interna e externa.
Foi assim que, como quem se deixa levar, pelo fluxo que concerne aos pés do náufrago aonde se quer chegar, pede licença para agarrar o pedaço de madeira que leva Kennedy Rafael pelas correntezas da vida.
Criador incansável, Rafael domina as artes gráficas com sagacidade, é exímio fotografo – enxerga a imagem estática tal como a vê em movimento. Posseiro de sensível olhar análogo e digital racional ou em película P&B.
Para todos os momentos enxerga fotogramas, como nos revelou em off.
“Sou um selvagem composto. Não na
essência, mas no composto. Na complexidade.”
Agora, o gol a gol com o Papagaio Mudo que nos deu tanto gosto.
PM
como foi a sua infância e qual seu primeiro contato com a arte? ou seria o artesanato?
KR
Eu
desenhava árvores. Gostava do desenho dos troncos
PM
Mais...
Fazia
bonecos de batata?
KR
Acho q
fiz sim
Fazia
cidades no quintal pra brincar de carrinho. Enxergava forma nas coisas? Madeira,
pedras? Não havia incentivo à arte no meu convívio. Fui sempre marginal na
infância
PM
Como você
aprendeu a ler
Como foi
seu processo de alfabetização? Havia livros disponíveis? A professora te
marcou? Foi fácil ou difícil? A família ajudou?
KR
Aprendi a
ler com cinco anos. A professora se chama Mariza. Era maravilhosa e eu era,
lógico, apaixonado por ela. Meu primeiro desenho foi na mesma época.
Desenhei
um cisne com os números 22. Fui ligando os pontos.
Rafaela o
nome dela.
PM
Cinco
anos, precoce.
Você é
filho caçula?
KR
Não sou o mais velho da minha mãe e o do meio do meu pai
PM
Quando
viveu sua primeira juventude artística?
Gostar de
música, filmes, discos, livros. Essa pergunta é
fixa na minha pauta, desculpe-me.
KR
É, foi em um caderno de caligrafia e sem pauta. Sim gostava de tudo isso. Meu primeiro momento artístico foi esse do cisne. Meu primeiro sucesso artístico se é que se pode dizer isso.
É, foi em um caderno de caligrafia e sem pauta. Sim gostava de tudo isso. Meu primeiro momento artístico foi esse do cisne. Meu primeiro sucesso artístico se é que se pode dizer isso.
PM
Quando você perdeu a inocência? No sentido bíblico? (risos). Responde se quiser. (silêncio).
Quando você perdeu a inocência? No sentido bíblico? (risos). Responde se quiser. (silêncio).
KR
Fiz
troca-troca com oito ou nove anos.
PM
você
concorda que sexo é arte? Ou partindo desse princípio tudo é arte?
KR
Tudo é
arte. Vejo ouço sinto assim o tempo todo
PM
Sabe,
quando estive internado, sentia inveja de como o senhor, meu companheiro de
quarto, acariciava os pés um ao outro. Isso é arte?
KR
Pra mim,
se você viu arte é arte.
PM
Você diz
isso então porque depende do interpretante imediato? Arte é Sublime
Depende
de estar presente? Sublime está acima
da arte. Naquele gol do Pelé, naquele momento Xis.
Gostaria
que elucidasse melhor
KR
O gol não é propriamente a arte. O que vem antes do gozo, que é arte. A sublimação a coisa Das Ding o vazio, onde se encontra o objeto de arte, a coisa, arte.
Este objeto pode nem existir na visão nem estar presente fisicamente, super abstração.
PM
quando você abandona o lar materno você parte para um mundo de arte ou de não arte?
Dentro da sua concepção?
O gol não é propriamente a arte. O que vem antes do gozo, que é arte. A sublimação a coisa Das Ding o vazio, onde se encontra o objeto de arte, a coisa, arte.
Este objeto pode nem existir na visão nem estar presente fisicamente, super abstração.
PM
quando você abandona o lar materno você parte para um mundo de arte ou de não arte?
Dentro da sua concepção?
KR
De não arte
A arte realmente me invade quando pude ir à exposição do
Salvador Dali no Rio de Janeiro. Isso foi em 1998 ou 1999. Meu pai já havia
morrido em 1991 e foi durante esse processo de sofrimento pela perda dele que a
arte pode entrar. Ver as
esculturas de Gala com gavetas rotativas e desenhos viscerais que ele produzia
todo dia me tocou
no cu.
Ali naquele momento, passamos mais de 5 horas dentro do museu.
Eu e uma amiga querida que não vejo há muito tempo. Disse pra ela: É isso que quero fazer pelo resto da minha vida.
Ali naquele momento, passamos mais de 5 horas dentro do museu.
Eu e uma amiga querida que não vejo há muito tempo. Disse pra ela: É isso que quero fazer pelo resto da minha vida.
PM
Vejo que
você passeia pelo desenho gráfico. Como é isso? Faz lembrar a infância?
Sempre viva. Photo by Kennedy Rafael
KR
Cursei
administração na UFMG por influência de meu pai.
Larguei
no 4º ano. Comecei Design de Produto na UEMG e larguei no 2º ano.
Em 2000
fui pra São Paulo atrás de uma namorada e pra cursar Design de Multimídia. Também
larguei.
PM
O que seria
um desafio para você agora?
Um
trabalho de arte e tecnologia.
KR
Estou fazendo
uma matéria na Guignard com este tema. ela é teórica.
PM
De arte? Ou
tecnologia?As duas são teóricas?
KR
é uma coisa só?
é uma coisa só?
A matéria
é de arte e tecnologia e é teórica
PM
Porque você abandonou a administração?
KR
administração?
Nojo de
marketing e tudo que envolve essa coisa.
O que me
da angustia é a arte.
Principalmente
a pintura.
PM
Estamos
fazendo uma entrevista de improviso. Free
ride, ou melhor, caí do cavalo...
KR
Na tora
PM
Rasguei minha
pauta.
KR
Pirata
PM
Isso.
Pirata.
Duas
mulheres se beijando, é arte?
KR
Tem outra
pessoa q precisa do meu carinho.
PM
Ou
pintura?
KR
Depende.
PM
Isso te
angustia?
KR
A pintura
sim duas mulheres se beijando é amor.
O amor
gera angustia né
PM
não necessariamente
não necessariamente
Depende
do objeto amado
KR
Outro dia
descobri o movimento das árvores
O movimento
das árvores
PM
Não
parece óbvio?
KR
Do jeito
que vi foi mágico. e poderoso. Senti-me privilegiado e menor.
PM
Estados
alterados de consciência?
KR
Pequeno
perante tanta grandeza. Foi uma viagem lisérgica mas muito real
PM
Você estava sob efeito de algo?
KR
As portas
da percepção
Sim LSD, claro.
PM
Abriram-se?
KR
Mas foi
intenso e foda. Abriram portas que jamais haviam sido abertas
PM
Mas não
te parece um paraíso artificial?
Talvez tenha haver com minha pesquisa em arte.
PM
sentiu odores?
Algumas pessoas
ficaram com medo quando relatei, mas não senti medo algum.
E ao lado prédios, postes, paredes, concreto, tudo parado e estático.
E ao lado prédios, postes, paredes, concreto, tudo parado e estático.
“Quis estar ali pra sempre”
Senti que os mapas que elas constroem não são distantes da nossa noção de ocupar espaços. Elas têm um código próprio. Na hora pensei nisso como faria pra que isso se repetisse sem o uso de LSD. Dai tentei treinar meu olhar minha visão.
Quando acordei no outro dia consegui ver por alguns segundos. Contudo não consigo mais. No dia duraram horas
PM
Sua mística viagem com o movimento das árvores, apesar de assustar alguns quando foi relatada, te conduziu ao bom selvagem? Traço romântico?
Um "bom selvagem" Rousseauista? O índio domesticado?
KR
Acho que isso é romântico, mas não é romantismo.
Acho que isso é romântico, mas não é romantismo.
Essa
história de bom selvagem já era. Prefiro o selvagem. o composto selvagem que
vai além da essência,
O que
esta a margem mesmo. Distante do centro, pirata, do qual não entendem a
composição, tal sua complexidade.
Daí o
medo, o horror. É a tipificação de bom selvagem. Isso é etnocídio e não
compactuo com isso.
Sou um
selvagem composto. Não na essência, mas no composto. Na complexidade.
PM
você elegeu as artes em sua vida entrando na UEMG.
você elegeu as artes em sua vida entrando na UEMG.
Como anda
essa relação? Essência ou superfície?
Víscera ou aconselhamento? Aceita um chá?
Víscera ou aconselhamento? Aceita um chá?
KR
Sim, aceito
um chá.
PM
ok
KR
pode ser
de camomila ou capim seco
PM
é inglês,
de jasmim. Vou por água pra ferver...
KR
KR
A relação
é fraterna e visceral e atinge a profundidade do poeta que pra entender a lagoa
sugere que a mergulhemos.
Só assim poderemos compreendê-la
Não lembro o nome do poeta
Assisti a um filme biográfico dele
Você saberia de quem se trata?
PM
Qual nome?
KR
Não me lembro do nome dele
Foda...
PM
Alguma referência?
KR
Ele era duro e foi apadrinhado por um cara de
posses
Tinha uma amada que morava nesta casa pra onde
foi convidado a se hospedar e morreu muito cedo de problemas pulmonares
PM
Henry Miller?
Qual época?
KR parece século XVIII ou XIX. Ele é poeta, no composto.
PM
TS Eliot? A poesia está acima da filosofia segundo Nietzsche e Hegel. Você concorda?
KR
Não sei
responder sobre essa hierarquia. Vejo as duas com os mesmos olhos. E sinto as
duas de forma diferente. Talvez seja TS Eliot sim.
PM
Por falar em formas, há meio de que calhe ser a geografia humana análoga aos caminhos da arte?
KR
O
composto é a forma. A coisa.
PM
Pois
bem. Fragmentos.
KR
Acredito
no que sinto. O artista sente como homem ou como animal igual a um servente
PM
Independe?
O homem
é animal na sua razão? Ou racional na sua animália?
KR
Fractais
acontecem na natureza e o homem é um elemento.
Sou
racional. E sensível.
(risos)
PM O chá ficou bom? (risos) KR
Adorei.
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