entrevista com Kennedy Rafael


Kennedy Rafael se indispôs com todo tipo de certidumbre. Nasceu estrangeiro em sua terra natal. Compatriota mas de nenhum lugar, de lugar nenhum, de todos os lugares que o acolheram e que não enjeitaram também, buscou refúgio nos sete saberes, nas artes, nas estruturas e no vento do pós-estruturalismo do acalento das árvores. Difícil explicar com signos uma percepto – uma noção de sensação de percepção. “Sublimai e sublimai-vos!” assim dizia o Nada, personagem da obra A peste, de Albert Camus, o existencialista francês.
De tal modo flutuaremos com assaz tenacidade sobre os mil, talvez dez mil, talvez infinitos platôs que compõem nossa geografia humana, interna e externa.
Foi assim que, como quem se deixa levar, pelo fluxo que concerne aos pés do náufrago aonde se quer chegar, pede licença para agarrar o pedaço de madeira que leva Kennedy Rafael pelas correntezas da vida.
Criador incansável, Rafael domina as artes gráficas com sagacidade, é exímio fotografo – enxerga a imagem estática tal como a vê em movimento. Posseiro de sensível olhar análogo e digital racional ou em película P&B.

Para todos os momentos enxerga fotogramas, como nos revelou em off.


 

 “Sou um selvagem composto. Não na essência, mas no composto. Na complexidade.”



Agora, o gol a gol com o Papagaio Mudo que nos deu tanto gosto.

PM
como foi a sua infância e qual seu primeiro contato com a arte? ou seria o artesanato?

KR
Eu desenhava árvores. Gostava do desenho dos troncos

PM
Mais...
Fazia bonecos de batata?

KR
Acho q fiz sim
Fazia cidades no quintal pra brincar de carrinho. Enxergava forma nas coisas? Madeira, pedras? Não havia incentivo à arte no meu convívio. Fui sempre marginal na infância

PM
Como você aprendeu a ler
Como foi seu processo de alfabetização? Havia livros disponíveis? A professora te marcou? Foi fácil ou difícil? A família ajudou?
                                   
KR
Aprendi a ler com cinco anos. A professora se chama Mariza. Era maravilhosa e eu era, lógico, apaixonado por ela. Meu primeiro desenho foi na mesma época.
Desenhei um cisne com os números 22. Fui ligando os pontos.
Rafaela o nome dela.

PM
Cinco anos, precoce.
Você é filho caçula?

KR
Não sou o mais velho da minha mãe e o do meio do meu pai

PM
Quando viveu sua primeira juventude artística?
Gostar de música, filmes, discos, livros. Essa pergunta é fixa na minha pauta, desculpe-me.

KR
É, foi em um caderno de caligrafia e sem pauta. Sim gostava de tudo isso. Meu primeiro momento artístico foi esse do cisne. Meu primeiro sucesso artístico se é que se pode dizer isso.

PM
Quando você perdeu a inocência? No sentido bíblico? (risos). Responde se quiser. (silêncio).

KR
Fiz troca-troca com oito ou nove anos.


PM
você concorda que sexo é arte? Ou partindo desse princípio tudo é arte?

KR
Tudo é arte. Vejo ouço sinto assim o tempo todo

PM
Sabe, quando estive internado, sentia inveja de como o senhor, meu companheiro de quarto, acariciava os pés um ao outro. Isso é arte?

KR
Pra mim, se você viu arte é arte.

PM
Você diz isso então porque depende do interpretante imediato? Arte é Sublime
Depende de estar presente? Sublime está acima da arte. Naquele gol do Pelé, naquele momento Xis.
Gostaria que elucidasse melhor

KR
O gol não é propriamente a arte. O que vem antes do gozo, que é arte. A sublimação a coisa Das Ding o vazio, onde se encontra o objeto de arte, a coisa, arte.
Este objeto pode nem existir na visão nem estar presente fisicamente, super abstração.

PM
quando você abandona o lar materno você parte para um mundo de arte ou de não arte?
Dentro da sua concepção?

KR
De não arte
A arte realmente me invade quando pude ir à exposição do Salvador Dali no Rio de Janeiro. Isso foi em 1998 ou 1999. Meu pai já havia morrido em 1991 e foi durante esse processo de sofrimento pela perda dele que a arte pode entrar. Ver as esculturas de Gala com gavetas rotativas e desenhos viscerais que ele produzia todo dia me tocou no cu.
Ali naquele momento, passamos mais de 5 horas dentro do museu.
Eu e uma amiga querida que não vejo há muito tempo. Disse pra ela: É isso que quero fazer pelo resto da minha vida.

PM
Vejo que você passeia pelo desenho gráfico. Como é isso? Faz lembrar a infância?
                                                                


Sempre viva. Photo by Kennedy Rafael


KR
Cursei administração na UFMG por influência de meu pai.
Larguei no 4º ano. Comecei Design de Produto na UEMG e larguei no 2º ano.
Em 2000 fui pra São Paulo atrás de uma namorada e pra cursar Design de Multimídia. Também larguei.

PM
O que seria um desafio para você agora?
Um trabalho de arte e tecnologia.

KR
Estou fazendo uma matéria na Guignard com este tema. ela é teórica.
  
PM
De arte? Ou tecnologia?As duas são teóricas?

KR
é uma coisa só?
A matéria é de arte e tecnologia e é teórica

PM
Porque você abandonou a administração?

KR
administração?
Nojo de marketing e tudo que envolve essa coisa.
O que me da angustia é a arte.
Principalmente a pintura.

PM
Estamos fazendo uma entrevista de improviso. Free ride, ou melhor, caí do cavalo...

KR
Na tora

PM
Rasguei minha pauta.

KR
Pirata

PM
Isso. Pirata.
Duas mulheres se beijando, é arte?

KR
Tem outra pessoa q precisa do meu carinho.

PM
Ou pintura?

KR
Depende.

PM
Isso te angustia?

KR
A pintura sim duas mulheres se beijando é amor.
O amor gera angustia né

PM
não necessariamente
Depende do objeto amado

KR
Outro dia descobri o movimento das árvores
O movimento das árvores

PM
Não parece óbvio?

KR
Do jeito que vi foi mágico. e poderoso. Senti-me privilegiado e menor.

PM
Estados alterados de consciência?

KR
Pequeno perante tanta grandeza. Foi uma viagem lisérgica mas muito real

PM
Você estava sob efeito de algo?

KR
As portas da percepção
Sim LSD, claro.

PM
Abriram-se?

KR
Mas foi intenso e foda. Abriram portas que jamais haviam sido abertas
PM
Mas não te parece um paraíso artificial?

KR
Talvez tenha haver com minha pesquisa em arte.

PM
sentiu odores?



Algumas pessoas ficaram com medo quando relatei, mas não senti medo algum.
E ao lado prédios, postes, paredes, concreto, tudo parado e estático.

“Quis estar ali pra sempre

Kennedy Rafael
Senti que os mapas que elas constroem não são distantes da nossa noção de ocupar espaços. Elas têm um código próprio. Na hora pensei nisso como faria pra que isso se repetisse sem o uso de LSD. Dai tentei treinar meu olhar minha visão.
Quando acordei no outro dia consegui ver por alguns segundos. Contudo não consigo mais. No dia duraram horas

PM
Sua mística viagem com o movimento das árvores, apesar de assustar alguns quando foi relatada, te conduziu ao bom selvagem? Traço romântico?
Um "bom selvagem" Rousseauista? O índio domesticado?

KR
Acho que isso é romântico, mas não é romantismo.
Essa história de bom selvagem já era. Prefiro o selvagem. o composto selvagem que vai além da essência,
O que esta a margem mesmo. Distante do centro, pirata, do qual não entendem a composição, tal sua complexidade.
Daí o medo, o horror. É a tipificação de bom selvagem. Isso é etnocídio e não compactuo com isso.
Sou um selvagem composto. Não na essência, mas no composto. Na complexidade.

PM
você elegeu as artes em sua vida entrando na UEMG.
Como anda essa relação? Essência ou superfície?
Víscera ou aconselhamento? Aceita um chá?

KR
Sim, aceito um chá.

PM
ok

KR
pode ser de camomila ou capim seco

PM
é inglês, de jasmim. Vou por água pra ferver...

KR
A relação é fraterna e visceral e atinge a profundidade do poeta que pra entender a lagoa sugere que a mergulhemos.


Só assim poderemos compreendê-la
Não lembro o nome do poeta
Assisti a um filme biográfico dele
Você saberia de quem se trata?


PM
Qual nome?

KR
Não me lembro do nome dele
Foda...

PM
Alguma referência?

KR
Ele era duro e foi apadrinhado por um cara de posses
Tinha uma amada que morava nesta casa pra onde foi convidado a se hospedar e morreu muito cedo de problemas pulmonares

PM
Henry Miller?
Qual época?

KR
parece século  XVIII ou XIX. Ele é poeta, no composto.

PM
 TS Eliot?
A poesia está acima da filosofia segundo Nietzsche e Hegel. Você concorda?

KR
Não sei responder sobre essa hierarquia. Vejo as duas com os mesmos olhos. E sinto as duas de forma diferente. Talvez seja TS Eliot sim.

PM
Por falar em formas, há meio de que calhe ser a geografia humana análoga aos caminhos da arte?

KR
O composto é a forma. A coisa.

PM
Pois bem. Fragmentos.

KR
Acredito no que sinto. O artista sente como homem ou como animal igual a um servente

PM
Independe?
O homem é animal na sua razão? Ou racional na sua animália?

KR
Fractais acontecem na natureza e o homem é um elemento.
Sou racional. E sensível.
(risos)

PM
O chá ficou bom?
(risos)

KR
Adorei.

















Comentários

Anônimo disse…
PM, gosto muito do seu texto. Sempre disse isso. Essa entrevista esta ótima. Continue. O leitor de entrevistas acaba conhecendo o entrevistado e pelo teor das perguntas, o entrevistador. Toca em frente.

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