Entrevista com o pintor Tiago Macedo

Notas Pictóricas

No momento em que a atenção midiática e, com ela, a atenção dos habitantes da cidade se voltam para a obra, encurto caminho aos interessados em ler o que há por aqui .
Aos leitores e escritores, apreciadores e produtores de arte:

Pintura do cotidiano, a imagem nova.

  

“O que me atrai de alguma forma é o instante que não volta mais. Busco em minhas pinturas o momento único. Momento do salto. Um rapaz salta no parque.”


Criado em família protestante, o jovem pintor Tiago Macedo segue seu caminho de amadurecimento artístico, equilibrando-se sobre o náilon onde desfiou seu short de criança e vislumbrou, como náufrago, pela primeira vez, A Ilha dos mortos. No quadro do pintor suíço Arnold Böcklin, a figura branca, que na mitologia clássica conduz as almas ao Hades, ou mundo inferior, surgiu um daqueles momentos memoráveis.

Caronte, o barqueiro, conduziu Tiago ao mundo externo, ao Olimpo das possibilidades. Deu-lhe a vista de que é possível transgredir, que a arte, ou melhor, o artista também, pode (e deve) ser o dono de seu propósito, de seu objeto de criação. Seja ele humanisticamente bizarro e grotesco, como o corcunda de Notre Dame, como a Fera, de A Bela e a Fera ou o taciturno Nosferatu de Murnau.

Da era dos dinossauros, passando pela Grécia antiga à década de 1960, uma banda chamada T-Rex desperta e vai inventar o sucesso punk onde não há governo, Anarchy in UK. Deixando no planeta os resquícios de rebeldia e arrebatamento que influenciaram uma geração, para os quais ataque e defesa andavam juntos. Só que bem direcionados a quem seria dado cada golpe e cada contragolpe como forma de se proteger. Macedo também ficou marcado por esse prisma.

Essa é a forma violenta de ser mundo que nos perseguiu desde então - e seu clube social: pastiche, festivais, solidão e espaços vazios, acidentes, drogas, transtornos mentais, desejo (sexo), pistas de skate, retrato social do capitalismo e suas formas de consumo, o instante impossível: um salto mortal.

É de novo sobre o tempo e o que com ele fazemos a reflexão entre o sério e o irônico, onde um cheiro de Tiago surge e que nos traz este artista da matéria do jornal, da piscina vazia que virou pista de skate, o rapaz na piscina dentro de um barco inflável, o salto no vazio..., com que termino esse prólogo. 


Papagaio mudo:

A arte chegou até você através de quais aspectos sensoriais? Sonoro, visual, tátil, olfativo (apreciar odores, o buquê das flores, vinho, café, charuto. Alimento...) degustativo? Todos juntos? Você saberia identificar?

Tiago Macedo:

A Arte chegou a mim através da literatura. Lembro-me de uma professora de literatura exemplificando o romantismo com um quadro chamado "A ilha dos mortos" de Arnold Böcklin. Nessa imagem ela fazia um recorte sobre o romantismo de Byron. De como a ideia de morte e isolamento surge na literatura. Lembro perfeitamente desse quadro quando adolescente, quando pude distinguir o que era realmente arte.

P.M.
Quando você viveu sua primeira juventude artística? Gostar de música... cinema, revistas, livros... Como isso te influenciou?

T.M.
Podemos dizer que a imagem em si nunca mais saiu de minha cabeça. Mas com o passar do tempo outras coisas viriam. Da "ilha dos mortos" para "As flores do mal" foi um pulo.

P.M.
E nesse período de vivência artística havia agitação existencial?

T.M.
Talvez isso tudo tenha influenciado a minha sensibilidade, mas não a criação. Eu era muito novo. Sempre digo que na minha cidade não havia nem artes e nem artistas.

P.M.
Risos. Continuando... o que influenciou você a se decidir pelas belas artes? Foi a fama? A galera? A grana? O glam?

T.M.
Isso foi um processo muito louco. Eu, como disse, não sabia o que era Arte. Talvez por ter sido criado numa redoma protestante bem hipócrita. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Quanta bobagem. Mas enfim, existia um caderno de desenho caligráfico que eu ficava imitando as formas em minha casa. Depois, fui estudar Ciências Sociais dentro das quais eu descobri o curso de Artes. Saí do curso e fui estudar desenho. No outro ano eu estava dentro da Escola de Artes.

P.M.
Baseado nessa última resposta, uma pergunta que não estava no script. Você se sentia um pecador na escola de artes?

T.M.
Eu superei muitas dessas questões protestantes. Sou um pecador, criador de imagens, só isso me faz ir direto pro inferno.

P.M.
Como você define o papel da arte na sociedade cada dia mais capitalista?

T.M.
Eu acredito na pintura. Não sei se acredito na Arte no Capitalismo. A pintura é maior que tudo. Tudo foi e é por causa dela. Uma performance quer ser pintura. Tudo que eles enquadram como contemporâneo é contra ou a favor da pintura. A pintura é o parâmetro. A pintura é arte por si só liberal. Ela não precisa de explicação. Hoje em dia, a Arte está refém da política das curadorias, distanciada do público, ela não diz nada, não dialoga com o público. A Arte, desde os anos 60, serve ao mercado e puramente a ele. O discurso vazio do capital pelo capital acabou está nas entranhas da arte contemporânea.
Por isso eu gosto de pintura. Eu gosto do público. Gosto quando alguém olha uma pintura minha e fala: "São meus alunos; parece meu filho; não gosto da cara dele..."

P.M.
Como é se sentir amadurecendo como artista? É vergasta? É suave? É bom?

T.M.
Eu amo cada quadro particularmente quando estou concebendo. Vejo minha criação como um processo ainda em aberto. Gosto de retratar cenas e acontecimentos. Hoje, digamos que estou com meu atelier completo. Espero que nas próximas cenas eu possa sustentar melhor minhas ideias. A pintura tem algo de impossível. Ela é de fato a noiva despida pelos seus celibatários de Duchamp.

P.M.
A arte é um próprio do homem, digamos assim. Você espera ou age? O movimento é reflexo ou refluxo?

T.M.
Arte são todas essas opções em tempos diferentes. Pois a Arte acontece em qualquer lugar. Às vezes a Arte acontece na espera, no pensamento, na não ação. Mas a Pintura não acontece sem agir. A arte pode acontecer na ideia, mas a pintura não acontece sem um lugar. A pintura é reflexo. É pincel. Positivo. É cor, tinta. Ela é sempre o reflexo do Artista.

 

 “Penso em uma pintura sem rebuscamento de significados variantes.”

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