De volta ao começo


Parece mesmo que foi ontem...

Ipanema e cangas coloridas me viram olhar o céu bem mais azul que hoje. Cabeça em cachos, apostilas da faculdade na areia,a fome apertava e com a grana fazendo vaquinha esperava passar o Natural .
Mais um mergulho e vinha o cara com uma cesta de palha.De palha. A "comida de hippie" chegava fresca e com cheiro de salsa e manjericão.
Não tinha essa de fastfood, coisa de playboyzinho inconsciente da força brutal do capitalismo.
Naquele tempo,aos dezoito anos a gente lia Marx. Não resumidamente: a gente lia e discutia e era bom pra todos, combinados que o tesão literário era liberado , o chope rachado e uma "questão de ordem" nunca abandonada em longuíssimas reuniões de diretório acadêmico.
 Era bom mastigar o pão preto feito em casa com grãos pilados e um gosto ao fundo adocicado, presença certa do açúcar mascavo. Os recheios eram bonitos como nós,ao sol, de biquíni estudando para os seminários , ouvindo música boa e convivendo com quem as compunha ali, sem nenhuma afetação.Eles eram um de nós,e a ideologia reinante era "Diretas Já".
Era um tempo de arrepia.
Estivemos na Candelária gritando e empunhando bandeiras. Pintamos a cara, fizemos história !
É espantoso, já passou.
Ou não, pontuaria o mano Caetano...
Lutávamos em gestos e atitudes contra estereótipos ditados por Tio Sam.
A gente queria mesmo era mudar o mundo. Porra, como era bom, a gente morreria por salvar o planeta!
Mas o tempo passou e envelheceu muitos sonhos para alguns, todos para outros. Levou amigos queridos com o Mal da AIDS, outros em overdoses.Trouxe uma bela barriga criada a uísque; caviar para os que se converteram à burguesia, casamentos em série para outros, enfim...passou.
Hoje mora em minha casa uma pós-hippie com formações e leituras em áreas bem diversas.
Descrê das seitas e da religião do culto ao corpo, entre outras.
Também descrê do artificialismo e da superficialidade como meio de lidar com o ser humano e o que se lhe diga respeito.
Talvez por isto ainda insista em buscar a forma quântica de compreensão do Humano em suas múltiplas facetas e dimensões.
Dentro dessa mulher mora o brilho e a fumegante vontade de ainda ter uma casa no campo, onde ela possa ficar do tamanho da paz.
Enquanto não realiza o sonho, mineiramente cultiva suas sementes regadas a jazz, amor e mãos juntas cozinhando o vegano alimento, sagrado e farto mesmo quando escasseia a rala esperança dos novos jovens.


                           Cida Valle.



Dedico este texto e as matérias que o acompanharão ao Menino Guga, Gustavo Perez, com amor, admiração e absoluto respeito.

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