Para Francisca
[O segundo círculo é o do amor. O encontro Charlus-Jupien leva o leitor a assistir à mais prodigiosa troca de signos. Apaixonar-se é individualizar alguém pelos signos que traz consigo ou emite. É torna-se sensível a esses signos, aprendê-los (como a lenta individualização de Albertina no grupo das jovens). É possível que a amizade se nutra de observação e de conversa, mas
o amor nasce e se alimenta de interpretação silenciosa. O ser amado
aparece como um signo, uma "alma": exprime um mundo possível,
desconhecido de nós. O amado implica, envolve,
aprisiona um mundo, que é preciso decifrar, isto é, interpretar.
Trata-se mesmo de uma pluralidade de mundos; o pluralismo do amor não
diz respeito apenas à multiplicidade dos seres amados, mas também à multiplicidade das almas ou dos mundos contidos em cada um deles. Amar é procurar explicar, desenvolver esses mundos desconhecidos que permanecem envolvidos no amado. É por essa razão que é tão comum nos apaixonarmos por mulheres que não são do nosso "mundo", nem mesmo do nosso tipo. Por isso, também as mulheres amadas estão muitas vezes ligadas a paisagens que conhecemos tanto a ponto de desejarmos vê-las refletidas
nos olhos de uma mulher, mas que se refletem, então, de um ponto de
vista tão misterioso que constituem para nós como que países
inacessíveis, desconhecidos: Albertina envolve, incorpora, amalgama "a
praia e a impetuosidade das ondas". Como poderíamos ter acesso a uma
paisagem que não é mais aquela que vemos, mas, ao contrário, aquela em
que somos vistos? "Se me vira, que lhe poderia eu significar? Do seio
de que universo me distinguia ela?"
Há, portanto, uma contradição no amor. Não podemos interpretar os signos de um ser amado sem desembocar em mundos que se formaram sem nós, que se formaram com outras pessoas, onde não somos de início, senão um objeto como os outros. O amante deseja que o amado lhe dedique todas as suas preferências, seus gestos e suas carícias. Mas os gestos do amado, no mesmo instante em que se dirigem a nós e nos são dedicados, exprimem ainda o mundo desconhecido que nos exclui. O amado
nos emite signos de preferência; mas, como esses signos são os mesmos
que aqueles que exprimem mundos de que não fazemos parte, cada
preferência que nós usufruímos delineia a imagem do mundo possível onde outros seriam ou são preferidos. "Mas logo o ciúme, como se fosse a sombra de seu amor, se completava com o double desse
novo sorriso que ela lhe dirigira naquela mesma noite – e que, inverso
agora, enchia-se de amor por outro... De sorte que ele chegou a
lamentar cada prazer que gozava com ela, cada carícia inventada e cuja
doçura tivera a imprudência de lhe assinalar, cada graça que nela
descobria, porque sabia que dali a instantes iriam enriquecer de novos
instrumentos o seu suplício." A contradição do amor consiste nisto: os
meios de que dispomos para preservar-nos do ciúme são os mesmos que
desenvolvem esse ciúme, dando-lhe uma espécie de autonomia, de
independência, com relação ao nosso amor.
A primeira lei do amor é subjetiva: subjetivamente o ciúme é mais profundo do que o amor; ele contém a verdade do amor. O ciúme
vai mais longe na apreensão e na interpretação dos signos. Ele é a
destinação do amor, sua finalidade. De fato, é inevitável que os signos
de um ser amado, desde que os "expliquemos",
revelem-se mentirosos: dirigidos a nós, aplicados a nós, eles exprimem,
entretanto, mundos que nos excluem e que o amado não quer, não pode nos
revelar. Não em virtude de má vontade particular do amado, mas em razão
de uma contradição mais profunda, que provém da natureza do amor e da
situação
geral do ser amado. Os signos amorosos não são como os signos mundanos:
não são signos vazios, que substituem o pensamento e a ação; são signos
mentirosos que não podem dirigir-se a nós senão escondendo o que
exprimem, isto é, a origem
dos mundos desconhecidos, das ações e dos pensamentos desconhecidos que
lhes dão sentido. Eles não suscitam uma exaltação nervosa superficial,
mas o sofrimento de um aprofundamento. As mentiras do amado são os
hieróglifos do amor. O intérprete dos signos amorosos é necessariamente um intérprete de mentiras. O seu destino está contido no lema "Amar sem ser amado".
Que esconde a mentira dos signos amorosos? Todos os signos
mentirosos emitidos por uma mulher amada convergem para um mesmo mundo
secreto: o mundo que também não depende desta ou daquela mulher (embora
determinada mulher possa encarná-lo melhor do que outra), mas é a
possibilidade feminina por excelência, como um a priori que o ciúme descobre. O mundo
expresso pela mulher amada é sempre um mundo que nos exclui, mesmo
quando ela nos dá mostras de preferência. Mas, de todos os mundos, qual
o mais exclusivo? "Era uma terra incógnita terrível
a que eu acabava de aterrar, uma fase nova de sofrimentos insuspeitados
que se abria. E, no entanto, esse dilúvio da realidade que nos
submerge, se é enorme a par de nossas tímidas e ínfimas suposições, era
por elas pressentido (...) o rival não era semelhante a mim, suas armas
eram diferentes, eu não podia lutar no mesmo terreno, proporcionar a
Albertina os mesmos prazeres, nem mesmo concebê-los de modo exato." Nós
interpretamos todos os signos da mulher amada, mas no final dessa
dolorosa decifração nos deparamos com o signo como a expressão mais
profunda de uma realidade feminina original.]
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