Saint Genet

Querelle
Rainer Werner Fassbinder nach Jean Genet

Jean Genet, um dos mais controversos dramaturgos modernos, suas inferências existencialistas no universo da dramaturgia, fazem como pano de fundo uma de suas obras, O Balcão e Querelle. Enquanto ainda hoje, vemos o mistério da marginália, voltamos a nos envolver com obras dessa “marginalia”, no âmbito dos vícios e das pulsões transgressoras, partindo das obras do Marquês de Sade, do Lord Byron, de Lautrèamont atentando à matéria desenvolvida no cerne da sociedade moderna/contemporânea, da qual emana na década de 1950, O Balcão. Jean Genet é um poeta que soube dar a marginalidade um lirismo poderoso. O próprio Genet representado em Diário de Um Ladrão como uma obra viva da revolta produzindo emanações de uma das mais ricas e complexas obras da literatura e do teatro moderno, o mais subversivo, depois de Sade. Sua poética dramática revela uma discussão autobiográfica que ao mesmo tempo analisa e cura, onde o mal pulsa, dilacera, satisfaz e encontra redenção. Genet em sua vida pessoal passou por um caminho de abandono e crime. Rejeitado pela mãe ao nascer, adotado em um orfanato, tudo ainda poderia ser diferente se não fosse procurado, em sua casa adotiva aos dez anos, por policiais que o levariam ao reformatório, de onde fugiria aos 20 anos para iniciar sua vida de pequenos crimes e prisões. Desde início de vida tumultuado, elabora para si mesmo, a primeira e fatal estratégia de sua vida, assumir a marginalidade, quer fosse ela verdadeiramente praticada por ele ou não. Assim, assumindo-se como marginal, passou a viver e experimentar a vida como tal, praticando crimes e sendo encarcerado várias vezes. Dessa vida de prisões pela Europa, onde passou a maior parte do tempo, e segundo ele “aprende a viver”, entende uma primeira espécie de determinação social: o homem é aquilo que faz, ou melhor, sua função social determina sua existência. Apreende isso de tal forma que resolve abandonar a sociedade que o abandonou em primeiro lugar, sendo marginal convicto, cuja função é permitir que outros o desprezem e recebam desprezo de volta.
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Genet, um passeio pelo código penal (Michael Foucalt à esquerda)

Porém, ainda na prisão, já na França invadida pelos alemães, encontra-se com a literatura através de presos políticos, intelectuais e artistas da época, na mesma situação de carceragem, e descobre-se um marginal poeta, cujo tema recorrente serão suas experiências transgressoras, suas prisões e desumanização/libertação, que mais tarde o conduzirão à redenção pela transcendência, nas repetidas exposições do tema em seus diversos romances e peças de teatro.

Em suas declarações ele diz que,

“A sociedade, tal como vocês a constituem, eu a odeio. Eu sempre a odiei e vomitei. (...) Desde que encontrei na literatura um exultório, meu ódio tomou uma outra forma, menos pessoal: ele não se traduz mais num impulso interior mais ou menos acidental, ele se deduz de uma filosofia aclarada pela experiência. De um rancor nasce uma idéia. E essa idéia torna-se, à medida que avanço dentro de minha obra, mais serena e mais indestrutível. Eu o sei, eu o testemunho: a ordem social não se mantém senão ao preço de uma infernal maldição que aflige os seres, dentre os quais os mais vis, os mais nulos estão próximos de mim – quer isso agrade a vocês ou não – que qualquer burguês virtuoso e assegurado. Para sempre eu me fiz intérprete dos dejetos humanos, dos resíduos que apodrecem nas prisões, debaixo das pontes, no fundo da fétida podridão das cidades”.

Genet, Jean. O Balcão. (São Paulo. Abril Cultural, 1976.)

Comentários

Luiza Gannibal disse…
Genet é uma delícia... andei relendo Nossa Senhora... dia desses... Maravilha. Vc tem bom gosto!
Carla Martins disse…
Genial, né?!

bjs e boa semana!
Gustavo disse…
Gen(et)ial

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