Você volta?

 

Por qual das razões? - ela me pergunta.
Sou um suicida – respondo. Por alguns segundos eu não morri.
Não, Guga – fala carinhosamente.
E prossigo – salvo pela modulação vocal bakhtiniana.
Você é um sobrevivente – garante.
Certamente sou – digo a ela, e esclarecendo o que afirmei sobre a força da modulação linguística começo uma descrever o que se passou naquele dia. minha mãe gritou "Afonso!", com um tom de voz que continha o perigo da urgência dentro de si. E foi assim. Ele me segurou, ela correu para pegar a tesoura. Click. Não me lembro mais nada. Urinei na cama (ato reflexo) próxima à janela onde pendurei o cabo que esmagava minha goela, e fui depositado cuidadosamente pelos braços de meu pai. Acordei olhando a cara dele que dizia "filho... filho...". Não tive resposta, senão "oi pai...”. Uma sad history com um happy end – misturei. Ao menos that’s what I wanna think – concluí. Dói. If din’t hurt, I wasn’t moaning so much – terminei. Ainda em inglês, pra disfarçar.
It means a lot for you and tells a lot about, about you.
Ela respondeu. Também em inglês.

Então eu disse “é uma coisa que se faz”. Meu corpo pedia. Exigia. Ciente do mal que sentia, simples
mente
eu nunca sequer havia cogitado essa ideia. Acho melhor sonhar.
Graças ao Pai, você teve a possibilidade de voltar - algo inspirou essa moça a dizer - e mudar o dia. Eu fico feliz por isso!
Então contei um fato que acontecera poucos dias antes.
Você acredita que um amigo falou em se matar? Justo comigo! Ele contou que seu guru espiritual havia praticado o autoextermínio. Perguntei “hara-kiri”? – ele é descendente de japoneses, o meu amigo, por isso. Respondeu “Não. Se jogou no mar, de uma ponte”. Então disse que ele não tem educação. Fiquei puto!
Acontece, parece prova... – alegou, tentando me acalmar.
Foi então que me lembrei de uma artimanha social.
Você quer desbancar uma pessoa? – pergunto. Diga a ela “Ei, você não tem educação? ”.
Tipo, olha aí a merda sem volta que você ia fazer... – voltou ao meu episódio.
Foi só o que pude dizer a ele – tergiversei. Reitero o que disse – não se pensa. Daí contei outro fato. Sabe, o Klaus falou certa conta.
Diz, Guga. – tratava de “Guga”, um apelido carinhoso que aceitei de bom grado.
Ele falou "deixe de sentir pena de si mesmo" e eu respondi "não é pena Klaus, é frio" compreende? – pergunto, para ver se havia entendido como eu quis me expressar.
Sim, sim, sim! – repetiu. “Mas ninguém sabe, de fato, o que se passa na cabeça de um suicida” pensei baixinho. E derivei novamente.
a lua está linda! A gente não pensa "estou com frio" apenas e só "sente", e depois "como eu fui burro" – não conseguia subterfugio para cambiar o rumo da prosa.
Então sinta o calorzinho bom de carinho – ela é linda, pensava. Mas continuei.
"Podia ter morrido" – explicava, colocando o sujeito em terceira pessoa – "mas era isso que eu queria?" Não sei responder. – Indago. Afirmo.
Muito amor colorindo sua vida. – cheia de afeto. Como eu gosto dela... e realmente sentia esse calor inexplicável aquecendo meu corpo.
Não, você não queria. – quanta certeza sobre mim. Como?
sim-não-sim, não-sim-não. – eu repetia.
Você quer amor! – dessa vez ela pareceu conhecer-me profundamente.
São triangularidades... não são dualismos. – descubro que triangularidades consta no dicionário.
Você quer amor? – “precisa perguntar? ” Pensei. E disse.
Quero. Me dá. Me vende. Me empresta. Me mostra! – mais do que depressa.
Você não sente, não percebe? –
Sinto! – pensei “será que não entendeu que é algo que se sente? ”.
Você o tem, Guga. Só isso... – ela havia compreendido.
Ooooooooooooooh! Que calorzinho... – voltava a sentir aquela afetuosidade abrasadora, candente, tropical.
O Klaus também te ama. – atestando, me enchendo, me preenchendo. – e te admira. E eu também. E a tua família. E os teus amigos. E os porraloka tudo! – ri, mas ocorreu-me dizer:
Só eu que não? Que merda! – mais um momento de epifania, mais um véu a se puxar...
Como você diz, “é massa! ” – usou meu linguajar. – Guga, a gente aprende a se amar. Lembrei da canção.
E o que eu faço com esse amor que amo tanto e que no entanto... – cantarolei – sabe que eu sentia frio realmente. E veja, nunca uso essa palavra real. De fato, senti muito frio às noites. Eu sentia. –


por qual das razões?
em andamento... para Cida Do Valle

Comentários

Cida Valle disse…

Foi absurdamente corajoso e digno seu relato fiel de tudo o que conversamos.
Valeu minha vida ter chorado de emoção por constatar que sua escolha foi a vida.

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