Minha predileção por Chet Baker
la vita è per tutti
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No começo, os negros americanos prendiam horizontalmente um fio de arame na parede e tocam para acompanhar o vocal, a música, a ladainha geralmente monotemática. Robert Johnson, com seu violão com cordas de aço e mãos de lavrador, colocou a dor nas notas com rimas de abandono, de tristeza, miséria, desilusão. O que aconteceu com o blues depois foi reverberar as raízes da música norte-americana. Dos blues que o Elvis gravou à Janis Joplin todos lançaram mão desse lamento chamado blues. Na década de 1930 e 1940, Luis Armstrong tornou o jazz popular entre a classe branca dominante. Dando um salto na história, me perdoem o prelúdio, chego ao Cool Jazz. Mais precisamente década de 1950. (Reparem que a distância de tempo com o Blues não é tão grande.) Despontam na cena dos clubes de jazz os mais talentosos músicos negros americanos. Lembro de Bilie Holliday, inauguradora de um estilo de voz que também ainda perdura décadas “utilização”. A questão é que em meados de 1950 surge um sujeito chamado Chet Baker. Justo no auge da “pancadaria” musical, distante já das grandes bandas, formada por quartetos, trios, e o que fosse possível caber num canto improvisado de palco dos “inferninhos”. A “turma da pesada”. Mingus, Monk, Miles, Charles Parker. Palidamente figuravam alguns brancos como o arranjador Gil Evans, Gerry Mulligan no sax, Dave Brubeck, Herbie Hancock etc. Chet Baker, que aprendeu a tocar trompete na marinha, do outro lado de NY onde tal “cena” acontecia, costa oeste, Califórnia, extremo oposto. Faltava-lhe um dente na boca, mas era carismático. (Certa vez, comprei uma biografia escrita por um jornalista que comparava repetitivamente depoimentos de pessoas que foram ligadas ao Baker, com o nobre intuito da objetividade, ou seja, desmentir as lendas entorno do Chet. Não consegui ler dois capítulos. Foi como destruir meu ídolo. Digam-me se o livro não tinha apelo sobre a desgraça do músico?) Um dia o incomparável Charles “bird” Parker, chegando a São Francisco, procura um trompetista para completar sua banda. Chet tocou com ele durante uma temporada. Quando Bird voltou à Nova Yorque, disse ao queridinho da moçada, o grande Miles Davis, que havia um “pequeno gato branco que ia comê-lo vivo”- There is little white cat that’s gonna eat you on. Miles tocou com Charlie Parker. Miles era filho de um dentista graduado em Harvard e bem de vida. Sua mãe era uma negra vislumbrante, diz a biografia do próprio Miles, escrita por ele mesmo. Miles é uma “galinha choca” e Chet é o canto da cotovia. Um preconceito às avessas. Chet era chamado pelos negros de NY de “boneca branca insossa” e a “classe branca” depositava no Chet o futuro do “jazz branco”. Believe it or not. Chet cantava os Standards americanos e Miles os tocava com estranha destreza. Eu admiro imensamente o Miles Davis. Uma técnica impecável. Certa vez perguntou para um músico se ele esteve “bem”. Claro que a resposta foi sim, mas ele esperava ouvir se esteve “bem” no palco, estilizo, a styllisch modafoker. E ele era estilizo. Mas faltava-lhe um pouco de confiança em sua postura, em seu “taco”. Falo como um idiota qualquer. O fato é que uma vez perguntei ao dono de uma livraria qual dos dois ele preferia. A resposta foi “ah, eu admiro o lirismo do Chet Baker”. Ou seja, não respondeu a pergunta. As pessoas tendem a se preservarem. Já fui vítima colocar várias vezes esse cara, o Chet, no blog, e fui motivo de comparação escrota. Tipo, “você também é”. Ah, o Chet era adorado, quando jovem, pelos gays americanos alla Jean Genet, Querelle. Mais tarde foi acolhido na Itália, onde gravou quando era jovem, e era chamado de “o anjo caído”. O artista “profano” é mal visto e bem quisto secreta e abertamente. Um rapaz que se destruiu com a heroína em vinte e poucos anos de uso... Um barquinho deslizando em mar aberto. Gravou centenas de discos ditos “raros” por qualquer dinheiro, em qualquer lugar. O cara era um verdadeiro junk “da pesada”. Usava o cachê em heroína. Mas pra que dizer o que todo mundo sabe? Quem é capaz de deixar tal impressão com My Funny Valentine? Quem mais fazia das notas prolongadas uma ode aos anjos? Aí mora, não a antinomia do gosto, mas o paradoxo do gosto. Mas eu não ligo. Muitos têm o despautério de dizerem que não são artistas, mesmo sendo. Qual abordagem seria menos injusta, ou justa? Várias coisas formulam um “gosto” e denunciam a personalidade das pessoas. Aprecio um disco do Miles que se chama High Lights From The Plugged Nickel. O Chet disse que toda a sua vida ouviu The Birth of Cool, do Miles. O Miles é “bom” até um certo ano, 1970... Não sei. Participou do festival Hippie na Ilha de Whit com Chick Corea e é uma das coisas mais horrendas que eu já vi. Miles era um band-leader, um cara que estava sempre em evidência. Depois dos anos de 1960 não precisava mostrar mais nada. Porém, o preconceito ainda mora na Arte.
Comentários
Valeu. Eu q sou mau...