Cama Cigana
por Thaís Weick
Quando nascemos ganhamos um berço. O meu, por exemplo,
era verde e tinha uma caminha auxiliar para quando crescesse. Todo o quarto era
verde, não pela esperança, mas porque minha mãe achava que iria nascer menino.
Bom, como verde não é azul, continuei com esse conjuntinho mesmo.
A partir dos quatro ou cinco anos, dormia no colchão da casa da avó, ou no
colchão da casa da tia. Foi quando as primas ganharam aquele lindo conjunto de
cama rosa feito de aço. E se desfizaram da cama de madeira maciça com colchão
ortopédico. Ah! E essa reciclagem veio para no meu quarto. E durou por seus
vinte e tantos anos.
Mas nesse meio termo, ganhei uma cama rosa de aço que ficava na casa do pai,
que quando adotou uma nova família, a meninha ficou com meu quarto. Daí, meu
irmão nasceu e ganhei uma outra cama similar à de aço e a cama de madeira
maciça foi para esse menininho. Então viajei, fui dormir numa cama box de
solteiro america, longe da família por um ano, e quando voltei minha avó me
dera uma cama turca, aquela com gavetões e cama acoplada.
Em menos de um ano, saí de casa e fui morar sozinha, arranjei um colchão e
dormi no chão. No outro mês juntei, e comecei a dormir em uma cama de casal box
com colchões de mola. Separei e fui para casa do meu irmão paterno e voltei a
dormir no chão. Trouxe a cama turca para casa dele e quando tudo estava pronto,
abandonei o barco, porque ele havia comprado uma cama de casal, e fui para casa
de minha mãe.
Chegando lá, o meu quarto havia sido ocupado pelo meu irmão que agora estava de
cama nova, e eu voltei, então a velha e boa cama de madeira maciça com colchão
ortopédico. Cerca de um ano depois, ocupei a casa dos fundos de meu pai, montei
a cama de meu avô e ali me instalei até que eles vieram morar comigo. Então cedi
a cama para meu avô, que antes se encontrava na casa de repouso, para que assim
morresse em paz, e voltei para cama turca agora na sala da casa.
Assim que ele morreu meu tio veio morar conosco, então passei uns meses na instalação
de meu irmão na mesma cama turca. Como a comunidade esta bastante agitada,
voltei para cama de madeira maciça, por cerca de mais seis meses até a morte de
meu tio. Quando fui passar as férias com vovó, ela caiu e virou cadeirante.
Logo, como uma boa menina, peguei a cama turca e fui morar com vovó novamente,
para ajudá-la na readaptação. Durante alguns anos, a cada quinze dias alternava
a cama turca com a cama de concreto maciço e espuma fina de meu então
companheiro.
Anos se passaram quando minha tia estrangeira veio fazer uma visita. Como uma
boa garota, cedi minha cama turca por 3 meses e fui dormir no chão do quarto de
meu pai. Ela se foi, voltei para cama turca. Ela voltou depois de seis meses,
mas dessa vez voltei para cama de madeira maciça porque ela iria ficar mais
seis meses ou, então, para sempre.
Então deitei-me novamente na cama de madeira maciça com a sensação de que por
ali ficaria por mais uns três anos e ali fui percebendo que a vida é dura.
Passei uns dias na cama de um hotel, quando percebi que não poderia me levantar
dali, liguei para meu psiquiatra, para cancelar a sessão. Foi então que
constatei que não era a vida que era dura, era o colchão que já estava na
tábua.
Foi então que percebi que ano novo ou vida nova inicia-se com uma cama nova.
Cíntia Sakura.
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