Dois mil e treze foi um ano ruim...
Artistas
somos coisa rara, mesmo gostando um do outro. A gente pira, perde a disciplina.
E quando isso acontece o circo pega fogo. É fogo mesmo, aqui desse lado da
tela, escrever palavras de afeto e receber desprezo e pouco caso. Estou escrevendo
do jeito que falo. Não sei o que acontece quando as pessoas abusam do meu zen
budismo. O que as faz pensar que sou de aço? A pessoa que dormia todo dia
comigo na mesma cama dizia que me amava, mas não se deu ao trabalho de estender
a mão quando eu mais precisava. Pelo contrário. Sabia que o perigo era
inevitável. E aconteceu, tive minha terceira recaída no crack. O que, nos
momentos mais fúnebres transformei em relatos que batizei como sendo as Notas
de um usuário. Não sei porque isso aconteceu comigo. Não pequei ao ponto de ser
banido, enxotado pela família e por seu sentimento mais profundo que
intimamente achei que tinha por mim. Assim digo que ninguém é, isso ou aquilo. Somos
mil, somos vis, somos menos, somos vários. Somos pessoas gentis que se
transformaram em um bando de notórios otários. Beijo meu pai quando ele chega
do trabalho. Amo minha mãe ab imo pectore.
Não sei e também sei porque me abandonei naquele deserto. Do fundo do meu
coração, no íntimo revelado confesso que foi um ato de egoísmo. Sofrer é um ato
de egoísmo, e perde-se muito sendo ego. Alguém sabe o que é ser levado pelo
pescoço e depois ser jogado na cama de um hospital psiquiátrico? Alguém já ficou
mais de 28 dias preso, enclausurado, sem ter matado ou roubado senão de e a si
mesmo? Complexo? Auto punição? Hedonismo? Heroísmo estático? Não. Acho que você
aí que me está lendo, não sabe dizer o que vem a ser Razão nesse caso. Eu mesmo
não saberia se tivesse me matado. Fiz o nó da forca e coloquei na janela. Deixei
meu corpo cair e não tive nem pude nem quis me desvencilhar daquele cabo. O tom
de voz do grito fez o casal se reconhecer em cumplicidade, e a modulação vocal
do discurso bakhtiniano na fala, no
grito, na falta de ar ao suspiro paterno salvou a vida cortando com uma grande
tesoura. Caí apagado em cima da cama, não vivo mais no mesmo quarto. Urinei por
reflexo imediato. Há um hiato entre o pescoço e os olhos. Quando acordei no
mundo em que eu havia deixado um rastro de lágrimas e motivos para ser
abandonado. Orgulho, ódio, ira, luxúria, prazer imediato. Objeto faltante. Eu era,
o sujeito-objeto a ser descartado nesse tempo. Eu fui a carta do baralho que
não valia ponto. O que sente um homem adulto e sábio a ser rejeitado no momento
em que perde tudo? Todas as fichas que eu estava apostando. Não era pôquer, nem
truco nem xadrez. Não foi royal street
flash ou full hand, do Às
faltou-me o ar. Era um bêbado que havia tido um lapso. Eu estava vendo tudo,
mas não acreditava. Não cri, pode crer? Que a pessoa que me amou, com o beijo
da boca e dentro do fundo do meio das pernas, com toda força eu retribuía a
chance de ser amado. Não era doze, nem sete copas, nem meio pau ou zap! viado.
Era pau todo, inchado. Inflado de toda e cada emoção de envolvimento com o
ser-objeto amado. O objeto era eu, e por assim ser deixei de sê-lo. Abandonei a
mim mesmo espectro que não reluziu no espelho. Dois mil e treze foi, para mim, um
hiato. Dois mil e treze foi um ano ruim.
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